quando eu tinha todos os
movimentos
eu era sol entre nuvens
aves de arribação
qualquer coisa de menos
sólida
por haver.
eu via cachoeiras em meus
sonhos
remanso de rios
pedra grande de sentar
menino
florestas a esculpir.
quando eu tinha todos os
movimentos
eu era sol entre nuvens
aves de arribação
qualquer coisa de menos
sólida
por haver.
eu via cachoeiras em meus
sonhos
remanso de rios
pedra grande de sentar
menino
florestas a esculpir.
Não tenho que
estar aqui
ou em qualquer parte.
Não tenho porque
sentir
desta ou de
outra forma
aquilo que não
sinto em mim.
Nada justifica
ou nega
a minha
existência,
mas reforça a
tese
da inércia como
norma.
Mas se estou
inerte
a minha inércia
é uma postura.
É um estar aqui.
O que sou é este
vazio em mim.
Este ímpeto não
direcionado
a pulsar num
imenso vácuo.
Um deserto
interior a buscar água
num deserto
exterior projetado.
Sou esta ânsia e
esta calma.
Sou uma coisa e
outra e não sou nada.
Sei que existo e
saber isso não me ajuda
(a consciência
que tenho de estar acordado
é a certeza que
tenho de não estar dormindo).
Sei que posso
mudar alguma coisa,
uma vez que
tenho espaço físico
para agir como
se fosse livre.
Mas nada do que
eu fizesse teria significado.
Seria um trocar
de camisa
depois de um
suposto banho.
Seria como
atravessar a rua
trazendo a outra
margem dela até mim.
Serei sempre eu
mesmo e na pior circunstância
de nada ter
mudado em essência.
Sou isto:
Um porão vazio
abarrotado de quinquilharias.
Ódio de tudo:
de ti, de
mim, da
sombra no
asfalto, das
conversas
dos vizinhos
comendo
churrasco e
arrotando
bobagens,
dos barulhos
no telhado,
da televisão
ligada em
programas
de auditório,
dos ruídos que
vem das ruas,
do ambiente
de trabalho, das
necessidades
fisiológicas dos
governantes, da
inteligência
pedindo
esmolas
aos agiotas,
dos restaurantes
abarrotados
(que raiva das
pessoas perfi-
ladas mastigando
qualquer carne),
ódio de tudo
e de todos,
neste momento
em que faço
uma análise
antes de deitar
o meu cansaço.
O que havia era
o mar
e a necessidade
de atravessá-lo.
Sentar-se à sua
margem
seria
atravessá-lo em sonhos
e evitar o
confronto de suas águas.
Mas o confronto
dos sonhos
com a realidade
fora da cama,
não precisa vir
sob as vestes
profundas dos
oceanos.
Um cadarço de
sapato
demonstra isso e
dispensa
os grandes
cenários
que revestem o
fracasso.
Lançar-se então
despojado
das vestes que
já não tínhamos,
seria
entregar-se com ingênua esperança
à indiferença
das ondas.
Mas o naufrágio do
ímpeto
não é devido
somente
à insipidez do
externo,
é antes uma
interiorização
do medo que
flutua sobre as águas.
Melhor seria
pois atravessá-lo
em silêncio de
homem que tece
a esperança de
um barco com os escassos
recursos
encontrados no vazio das noites.
Então o homem
senta-se à margem do mar
e deposita o seu
barco de fibra de sonho.
Com derradeiro
espírito de luta avalia
o embate
doloroso com as ondas. São mínimas
as
probabilidades de êxito, ele sabe.
Mas como havia a
necessidade,
o homem se joga na
correnteza
e aceita lutando
os golpes previstos.
Resistiu como um
inseto no copo e o seu
corpo depois foi
encontrado na praia, boiando.